Eu gosto é do mistério

Conheço gente que gosta de se explicar o tempo todo. Explica porque fez tal coisa, porque é da maneira que é, explica o porquê de gostar tanto de preto e o porquê de rir da maneira que ri. Mas eu gosto de mistérios, gosto de quem deixa pequenas pistas soltas no meio do caminho e me permite descobrir sozinha. Essa é a graça dos seres humanos… O mistério, a complexidade, a curiosidade. Ai vem uma pessoa dessas acaba logo com qualquer possibilidade de me deixar usar meu lado detetive. Ela começa a explicar o porquê de só andar de saia longa, e acaba com o mistério sobre o que esconde em suas pernas; ai começa a contar detalhes de sua personalidade e acaba com a delícia que seria descobrir e desvendar toda sua complexidade. Por fim, joga de uma vez em cima de você todos os segredos mais guardados que tem, e mata em uma única flechada toda sua curiosidade. E depois? Qual a graça? Eu não descobri e desbravei essa pessoa. Sequer precisei bater a sua porta. Ela simplesmente se abriu e já me pôs em sua casa, mostrando todo e cada cômodo, inclusive os secretos. Caça ao tesouro quando já se sabe onde está o tal não tem graça. E o que resta? Partir pra próxima. 

O que mais dói 

Na verdade o que machuca não é o amor, e sim a falta dele. Diz ai… você sofre quando diz pra sua mãe um “eu te amo”? Ou quando abraça seu pai forte e sente todo aquele sentimento sendo passado de um para o outro? Não. Você por acaso sofre quando sua melhor amiga diz que está lá pra te apoiar em tudo? Quando o amor da sua vida se declara? Ou quando seu animal de estimação vem te pedir carinho com aquela carinha feliz? Não, né? Porque tudo isso aí e muito mais é amor. E nada disso machuca. O que machuca mesmo é o vazio que existe onde não há amor. O que machuca mesmo é quando um pai abandona seu filho, ou quando sua mãe te maltrata. O que dói de verdade é quando alguém que você considera seu melhor amigo, não tá nem aí pra você, suas histórias bobas ou sentimentos, e quando o grande amor da sua vida não quer saber da sua existência sequer. Isso é o que acaba com a gente de verdade. A falta do sentimento nos outros quando na gente tem de sobra, não o sentimento em si. A ausência grita alto e não te deixa esquecer dela… E aí é que dói. 

Essa tal de vida 

O medo da morte é necessário, já dizia meu avô. Afinal, qual o sentido da vida? Segundo ele… Adiar a morte. E pra você? Qual o sentido da vida? 

Há quem entre em um âmbito mais filosófico ou religioso, mas eu prefiro me manter simples, por medo de enlouquecer pensando demais. Pra mim, me baseando um pouco na teoria do meu avô, o sentido da vida é o amanhã. Vivemos o hoje sempre pensando no futuro. Generalizando um pouco o roteiro: Estudamos para no futuro entrarmos numa faculdade, e entramos numa faculdade para no futuro arrumar um emprego. Arrumamos um emprego para nos sustentar e não morrermos de fome, e para, futuramente, ter condições de ter uma família. Temos uma família para não morrermos sós mais adiante, e temos filhos para dar continuidade aos nossos genes. Cuidamos da nossa saúde para não morrermos breve, e somos gentis muitas vezes para receber algo em troca mais tarde. 

Mas e se não se tem perspectiva de futuro? O que fazer? Como andar sem chão ou voar sem asas? Ainda por cima se for sem destino, sem local para pouso, sem linha de chegada.

Mesmo os mais aventureiros e desapegados seres humanos precisam de uma ideia de futuro… Viajam para ter histórias para contar amanhã. Se aventuram para coletar memórias. Se jogam para depois não se arrependerem de não terem se jogado. 

Que me perdoem aqueles adeptos do estilo de vida “viva hoje como se não houvesse amanhã.” Não entendo como isso funciona. Acho que essas pessoas são as exceções à regra… Ou nem isso, talvez sejam apenas desafiantes da próprio instigo humano de viver para garantir o tal amanhã. Ou quem sabe ainda… Talvez eu não sabia nada sobre o sentido da vida. Quer saber? Acho que não sei mesmo. Mas também não me aventuro a mergulhar em pensamentos tão profundos quanto esse. São neles que mora o perigo…

Deixo aqui uma reflexão pra você que termina de ler este texto: qual o sentido da vida pra você? (Dica: pense simples, pra não correr certos riscos.)

Marasmo

Que vida mais monótona essa cheia de dias que não acabam em poesia. Cheia de palavras que não cabem em versos, que não encaixam, não harmonizam. Que vida mais pacata essa que termina em uma única cabeça deitada no travesseiro, pensando no que poderia ter sido, no que será amanhã, e porque o agora não é assim. Que vida desperdiçada essa em que se passa tempo pensando nas possibilidades, ao invés de partir pro verbo infinitivo: Agir. Caçar. Progredir. Mudar. Inspirar. Sentir. Inspirar. Expirar. Amar. Poetizar. Ver. Ser. Viver. 

Até quando?

Meu sonho é que um dia o ensaio à liberdade se concretize. Que um dia, todos tenhamos a liberdade de ser quem quisermos, sem sermos criticados, jogados as margens da sociedade, julgados por aquilo que nos faz bem, que nos faz nós mesmos.

Todos temos o direito de sermos felizes da maneira que bem entendemos. Seja sozinhos, com pessoas do mesmo sexo, praticando esportes radicais, seguindo profissões não muito valorizadas, nos mudando para países incomuns, seguindo a religião que queremos, ou seja lá como for. Contanto que não façamos mal a ninguém, não entendo o porquê de não podermos seguir nossos sonhos da nossa maneira. Não entendo porque a sociedade insiste em se prender a um padrão antiquado, e a criar rótulos para todos.

Direitistas são a elite branca opressora, esquerdistas são comunistas petralhas sustentados pelo governo, se um homem faz ou não faz certas coisas é macho, uma mulher que não casou ficou “pra titia”, uma encalhada, alguém que defende sua religião com unhas e dentes é tido como um fanático, moradores da favela (comunidade?) são uns drogados maloqueiros, quem vê televisão é um alienado sem opinião própria, e por aí vai… 

Até quando isso prevalecerá em nossas mentes? Até quando rotularemos tudo? Até quando nos limitaremos tanto a pequenas definições? Até quando insistiremos em compartimentar tudo? Até quando rejeitaremos a pluraridade do ser?

Meu sonho é que a respostas para todas essas perguntas seja: Em breve. Muito em breve. 

Procura da poesia

Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.

Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.

O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?

Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

— Carlos Drummond de Andrade